A era dos voos low cost e o torcedor viajante
Nas últimas duas décadas, viajar para acompanhar seu time ou ver um grande evento esportivo deixou de ser privilégio de poucos. O avanço das companhias aéreas de baixo custo – as famosas low cost – mudou o mapa do turismo esportivo, sobretudo na Europa e, mais recentemente, em partes da América do Sul.
Segundo dados da Eurostat, mais de 40% dos voos dentro da União Europeia em 2023 foram operados por empresas low cost. Em países como Espanha, Itália e Reino Unido, essa participação já passa de 50%. Na prática, isso significa que um torcedor consegue, em determinados períodos, pagar menos por um voo Barcelona–Milão do que gastaria em táxi do aeroporto até o centro da cidade.
Para o torcedor brasileiro, esse cenário abre duas portas: aproveitar as low cost durante viagens internacionais (principalmente na Europa) e entender a lógica de preços dinâmicos, que já influencia também as passagens de companhias tradicionais na América do Sul. A pergunta é simples: como transformar essa oferta em mais estádios visitados, mais jogos assistidos e menos dinheiro gasto?
É isso que vamos detalhar a seguir, com foco em estratégias práticas, exemplos reais e um olhar bem pé no chão sobre as “pegadinhas” que o torcedor precisa evitar.
Como funcionam as low cost – e o que muda para o torcedor
As empresas low cost trabalham com um modelo de negócios baseado em três pilares: alta ocupação dos voos, padronização da frota e serviços extras pagos à parte. Em termos simples: a passagem “crua” é barata, todo o resto tende a ser cobrado.
Para o torcedor viajante, isso muda alguns hábitos tradicionais de viagem. Em vez de pensar apenas em “quanto custa a passagem?”, é preciso fazer uma conta mais completa: quanto custa a passagem + bagagem + assento + deslocamento até o aeroporto alternativo + alimentação mínima?
Algumas características típicas das low cost que impactam diretamente o fã de esporte:
- Aeroportos alternativos: muitas empresas voam para aeroportos mais afastados (como Beauvais em vez de Charles de Gaulle, no caso de Paris). A passagem é barata, mas o transporte até o centro da cidade pode ser caro e demorado.
- Bagagem reduzida: a tarifa básica costuma incluir apenas uma mochila ou bolsa pequena. Mala de cabine e mala despachada quase sempre são pagas à parte.
- Check-in online obrigatório: imprimir o cartão de embarque no aeroporto pode gerar multas de 20 a 50 euros, dependendo da companhia.
- Trocas e reembolsos limitados: bilhetes promocionais têm pouca flexibilidade. Para quem viaja para decisão de campeonato, onde data e local às vezes mudam, isso precisa ser considerado.
Entender essa lógica é o primeiro passo para usar as low cost a favor do torcedor, e não contra.
Estratégias antes de comprar: rota, datas e alertas de preço
A maior economia não começa na hora do pagamento, e sim na fase de planejamento. Para quem quer viajar mais para ver esporte gastando menos, três variáveis são decisivas: flexibilidade de datas, inteligência na escolha das rotas e uso de ferramentas de monitoramento de preços.
1. Flexibilidade de datas e de aeroportos
Jogos e eventos esportivos costumam ter datas definidas com antecedência, mas nem sempre o torcedor precisa chegar e sair exatamente naquele dia. Muitas vezes, chegar um dia antes ou voltar um dia depois reduz o preço da passagem em 30% ou mais.
- Chegar na quinta para um jogo no sábado, em vez de chegar na sexta à noite.
- Voltar na terça de manhã, em vez de domingo à noite, horário mais concorrido.
- Considerar aeroportos próximos: voar para Bergamo em vez de Milão, Girona em vez de Barcelona, por exemplo.
Para quem vai acompanhar uma fase de grupos de Champions League ou Libertadores, por exemplo, pode ser mais barato montar um “hub” em uma cidade com muitos voos low cost e se deslocar de lá para as sedes dos jogos.
2. Ferramentas de pesquisa e alertas
Hoje, o torcedor tem à disposição comparadores de preço e buscadores com calendário flexível que mostram o dia mais barato para voar em um determinado mês. Recursos como “mês mais econômico” e alertas de preço (por e-mail ou app) ajudam a identificar bons momentos para comprar.
- Pesquisar com antecedência de 60 a 90 dias para voos dentro da Europa e cerca de 30 a 60 dias para voos internos na América do Sul costuma trazer boas tarifas.
- Usar alertas para trechos frequentes de turismo esportivo, como:
- Madrid – Londres (futebol, NFL em Wembley/Tottenham, Champions).
- Barcelona – Milão (La Liga x Serie A, basquete EuroLeague).
- São Paulo – Buenos Aires / Santiago / Montevidéu (Libertadores, Eliminatórias, finais únicas).
3. Planejar “janelas” para eventos decisivos
Finais de campeonatos e jogos de mata-mata têm uma particularidade: muitas vezes o torcedor não sabe onde será o jogo até poucos dias antes (ou depende do adversário). Uma estratégia é reservar voos para uma “janela” de datas, deixando alguma flexibilidade de deslocamento interno.
Exemplo prático: um torcedor europeu que sonha em ver uma final de Champions em Londres pode reservar, com antecedência, a ida e volta para Londres em datas mais amplas (quinta a segunda, por exemplo). Se o time não se classificar, pode aproveitar a viagem para visitar estádios, museus e assistir a outro jogo menor, sem perder totalmente o investimento.
Truques na hora da compra: moeda, conexões e combinações inteligentes
Depois de definido o período da viagem, entra a fase de otimização da compra. Nesse momento, pequenos ajustes podem significar uma diária extra de hotel ou até o ingresso para um jogo.
1. Comparar o preço em moedas diferentes
Algumas companhias low cost apresentam valores distintos dependendo do país ou da moeda selecionada no site. Não é regra, mas acontece. Alternar entre euro, libra e moeda local às vezes revela diferenças significativas.
Para o torcedor brasileiro, é preciso lembrar de incluir IOF e taxas do cartão internacional na conta. Em alguns casos, comprar em moeda local no destino (por exemplo, pesos chilenos ou argentinos) via cartão pode ser mais vantajoso do que converter primeiro para dólar ou euro em outro site.
2. Voos “picados” x voos diretos
Uma tentação comum é montar itinerários com muitas conexões de low cost para baratear a viagem. Porém, é preciso cuidado: companhias diferentes não se responsabilizam por atrasos e perda de conexão em bilhetes separados.
Para turismo esportivo, em que o horário do jogo é inegociável, atrasos podem transformar uma economia de 50 euros em prejuízo esportivo irrecuperável.
- Evite conexões muito apertadas (menos de 3 horas) quando os voos são em bilhetes separados.
- Em dias de jogo decisivo, priorize voos diretos ou com conexão única em hubs confiáveis.
- Considere chegar na cidade sede na véspera, mesmo que a passagem de um dia antes seja um pouco mais cara.
3. Combinar low cost com companhias tradicionais
Em muitas rotas internacionais, pode ser interessante usar uma companhia regular para o trecho longo (Brasil–Europa, por exemplo) e depois aproveitar as low cost no trecho interno. É comum encontrar promoções em que o voo Brasil–Europa sai por um valor competitivo e, de lá, o torcedor emenda um roteiro de estádios com voos curtos e baratos.
Um roteiro típico de um fã de futebol, por exemplo, poderia ser:
- São Paulo – Lisboa (companhia tradicional).
- Lisboa – Madrid (low cost).
- Madrid – Londres (low cost).
- Londres – São Paulo (tradicional, voo de retorno).
Nesse circuito, é perfeitamente possível encaixar jogos de La Liga, Premier League, Champions League e ainda visitar museus como o do Real Madrid, do Barcelona e do Arsenal, sempre usando voos baratos entre as cidades.
Bagagem, check-in e as pegadinhas mais comuns
Muitos torcedores relatam a mesma experiência: “a passagem era barata, mas acabei gastando quase o dobro com taxas e serviços extras”. Para evitar essa sensação, é preciso conhecer as principais armadilhas antes de clicar em “comprar”.
1. Bagagem: menos é mais
Em viagens curtas para acompanhar um ou dois jogos, é perfeitamente possível viajar apenas com bagagem de cabine ou até com mochila, desde que se planeje bem.
- Verifique no site da companhia as medidas exatas permitidas para a bagagem incluída na tarifa básica.
- Use mochila esportiva compacta em vez de mala rígida, que às vezes não se adapta às medidas da cabine.
- Roupas secam rápido? Leve menos peças e conte com lavanderia simples no destino, especialmente em viagens de 5 a 7 dias.
Caso precise despachar bagagem (por exemplo, em viagens mais longas pela Europa acompanhando uma competição inteira), quase sempre sai mais barato comprar a franquia de mala no momento da reserva do que adicionar depois.
2. Check-in e cartão de embarque
Uma regra básica das low cost: nunca deixe para resolver o check-in no aeroporto. Algumas companhias cobram tarifas altas para imprimir o cartão de embarque, algo que pode consumir boa parte da economia da passagem.
- Faça o check-in online assim que ele abrir (geralmente 48 a 72 horas antes do voo).
- Baixe o app da companhia e salve o cartão de embarque no celular.
- Se possível, tenha também uma versão em PDF ou impressa, especialmente em viagens com muitas conexões.
3. Assento marcado e embarque prioritário
Para viagens esportivas em grupo – por exemplo, torcedores que vão juntos a uma final – há o desejo de sentar lado a lado no avião. No entanto, marcar assento antecipado em low cost costuma ser caro.
Uma saída é equilibrar custos e conforto:
- Em voos curtos (menos de 2 horas), talvez não valha pagar para escolher assento.
- Em voos em que o torcedor chegará muito perto do horário do jogo, garantir assento no corredor e embarque prioritário pode facilitar a saída rápida do avião e reduzir o estresse.
Voos baratos e calendário esportivo: como montar viagens inteligentes
A grande vantagem dos voos low cost para o fã de esporte é a possibilidade de transformar uma única viagem em uma sequência de experiências: dois, três estádios, competições diferentes e até esportes distintos na mesma semana.
1. Europa: o “parque de diversões” do torcedor
Graças à alta densidade de voos low cost, é comum ver torcedores europeus viajando para jogos fora de casa na mesma facilidade com que um brasileiro pega um ônibus interestadual. O torcedor vindo da América do Sul pode se beneficiar dessa lógica se planejar bem.
Exemplo de roteiro realista de uma semana, em março ou abril, para um fã de futebol e basquete:
- Chegada em Madrid (voo do Brasil). Visita ao Santiago Bernabéu e possível jogo de La Liga no fim de semana.
- Voo low cost para Barcelona (ida e volta por menos de 50 euros em promoções). Jogo do Barcelona e visita ao museu do clube.
- Voo Barcelona–Milão (low cost). Jogo da Serie A ou partida de EuroLeague no basquete.
- Retorno Milão–São Paulo (companhia tradicional).
Nesse tipo de roteiro, a soma de trechos low cost muitas vezes equivale ao preço de um único voo doméstico Brasil–Nordeste em alta temporada.
2. América do Sul: Libertadores, clássicos e finais únicas
No continente sul-americano, o modelo low cost ainda está em crescimento, mas algumas rotas já oferecem boas oportunidades para quem acompanha Libertadores, Eliminatórias ou finais em campo neutro.
Uma estratégia interessante é usar cidades com mais oferta de voos como base – São Paulo, Buenos Aires, Santiago e Lima, por exemplo – e de lá buscar trechos em companhias regionais e low cost emergentes.
- Para finais únicas de Libertadores em Montevidéu, Assunção ou outro local definido pela Conmebol, vale monitorar com antecedência voos das capitais principais até a sede do jogo.
- Em alguns casos, pode ser mais barato voar para uma cidade próxima e seguir por terra (ônibus ou carro alugado) até o estádio.
3. Grandes eventos: Olimpíadas, Copas e F1
Em megaeventos, como Copa do Mundo, Jogos Olímpicos ou etapas da Fórmula 1, a demanda por voos sobe rapidamente, mas ainda assim as estratégias de low cost podem aliviar o orçamento.
Exemplo: um torcedor que deseja ver um Grande Prêmio de Fórmula 1 na Europa pode voar para uma capital com muitos voos baratos (como Londres, Berlim ou Madri) e, de lá, pegar um low cost para a cidade da corrida (Monza, Barcelona, Budapeste, por exemplo). Em vez de procurar um único voo “Brasil–cidade do GP”, ele monta a viagem em duas etapas, geralmente mais baratas.
No destino: como gastar menos e ver mais esporte
A passagem é apenas uma parte do orçamento da viagem esportiva. Chegando ao destino, o torcedor ainda precisa lidar com hospedagem, transporte, alimentação e, claro, ingressos. Algumas decisões ajudam a manter o espírito low cost também em terra firme.
1. Hospedagem ligada ao transporte, não apenas ao estádio
É tentador ficar hospedado “ao lado do estádio”, mas muitas arenas modernas ficam afastadas do centro. Às vezes, vale mais a pena se hospedar perto de estações de metrô ou trens que conectem tanto o centro quanto o estádio, reduzindo deslocamentos caros de táxi ou aplicativos.
Em cidades como Londres, Munique ou Madrid, estar a poucos metros de uma grande estação muitas vezes economiza mais do que qualquer desconto em diária distante.
2. City cards e passes de transporte
Muitas cidades europeias oferecem cartões turísticos que incluem transporte público ilimitado e entrada em museus e atrações, entre elas estádios e tours esportivos. Antes de comprar cada ingresso individualmente, vale checar se o estádio que você quer visitar está incluído em algum passe turístico.
Em destinos sul-americanos, mesmo sem city cards tão estruturados, alguns clubes oferecem combos de tour + museu com preço mais em conta do que comprar tudo separado.
3. Alimentação estratégica em dias de jogo
Estádios e arredores tendem a ter preços inflacionados em dias de grandes jogos. Uma dica simples para o torcedor que está viajando com orçamento apertado é programar as principais refeições fora desse raio de influência do estádio.
- Almoçar bem em área central mais barata e comer algo rápido nas imediações do estádio.
- Levar pequenos lanches permitidos (respeitando as regras locais), evitando gastar com snacks caros dentro da arena.
4. Aproveitar treinos abertos e jogos menores
Em algumas viagens, os ingressos para o grande evento esportivo podem ser caros ou limitados. Ainda assim, vale monitorar treinos abertos, jogos das categorias de base e partidas de ligas menores na mesma cidade. Muitas vezes, os bilhetes são baratos e a experiência de estádio é tão autêntica quanto.
No fim, a lógica é simples: voos low cost são uma ferramenta, não um fim em si. Quando bem utilizados, eles permitem que o torcedor transforme um sonho distante – ver o time na Europa, acompanhar a Libertadores in loco, sentir o clima de uma Olimpíada – em um projeto concreto, com cronograma, orçamento e margens de improviso. E, como em qualquer grande campanha esportiva, a diferença entre o sucesso e o fracasso costuma estar no planejamento dos detalhes.
