Quando o assunto é kitesurf, poucos lugares no mundo têm o nome tão forte quanto o Ceará. São mais de 500 km de litoral, vento constante por meses seguidos e uma combinação de mar, dunas e vilarejos de pescadores que transformou o estado em rota obrigatória para atletas profissionais e amadores de todos os níveis.
Entre agosto e janeiro, não é exagero ouvir, nas escolas de kite, frases como: “Se aqui não tiver vento, dificilmente vai ter em outro lugar do Brasil”. Em muitos picos, a média diária fica acima dos 20 nós, com mais de 80% dos dias navegáveis em plena temporada. Não por acaso, campeonatos internacionais começaram a olhar com carinho para destinos como Cumbuco, Preá e Ilha do Guajiru.
Este guia reúne os principais spots de kitesurf do Ceará para quem quer unir vento forte, mar e adrenalina – com foco em quem está planejando a próxima trip, seja para aprender, evoluir nas manobras de freestyle ou encarar downwinds longos pela costa.
Quando ir: a temporada de vento no Ceará
Antes de escolher o pico, é importante entender o “relógio” do vento no estado. A combinação de ventos alísios e águas quentes cria um cenário quase perfeito, mas há meses melhores para quem quer garantir o máximo de tempo na água.
Janela principal de vento
Nessa janela principal, a intensidade do vento em muitos spots gira entre 18 e 30 nós, com tendência a aumentar à tarde. Isso influencia diretamente na escolha dos equipamentos: quem pesa entre 70 e 80 kg, por exemplo, costuma usar kites entre 7 m e 9 m na maior parte dos dias.
Com a temporada em mente, vamos aos picos.
Cumbuco: a porta de entrada do kitesurf cearense
A apenas 35 km de Fortaleza, Cumbuco é, para muitos, o primeiro contato com o kitesurf no Ceará. A vila, que era basicamente um reduto de pescadores até os anos 1990, se transformou em um dos destinos mais conhecidos do mundo para o esporte. Escolas, pousadas especializadas e estrutura completa tornaram o lugar um verdadeiro “campus” para iniciantes e riders de nível intermediário.
Por que Cumbuco é tão procurado?
Na praia principal, o mar é relativamente choppy (ondulação curta e irregular), ideal para quem quer treinar controle de prancha e saltos básicos. Já a famosa Lagoa do Cauípe, alguns quilômetros mais ao norte – acessível de buggy, 4×4 ou mesmo em um downwind curto – oferece água lisa que é um prato cheio para o freestyle.
É comum ver atletas estrangeiros descreverem Cumbuco como “um parque de diversão para kite”. Em uma entrevista para uma escola local, um instrutor argentino resumiu: “Você sobe na prancha, olha em volta e vê kites de todas as cores. Tem gente aprendendo, gente treinando dupla passada, gente apenas curtindo o passeio. É o mundo do kite concentrado em alguns quilômetros de praia”.
Para quem Cumbuco é ideal?
Taíba e Paracuru: ondas, tubos e manobras no lip
Se Cumbuco é a “escola”, Taíba e Paracuru são os laboratórios para quem quer aproximar o kitesurf do surf de onda. Localizadas ao oeste de Cumbuco, essas duas praias entraram no mapa justamente pela qualidade do swell e pela organização natural das ondas.
Taíba
Taíba fica a cerca de 70 km de Fortaleza. A vibe é mais tranquila que Cumbuco, com menos movimento noturno e mais foco em água. A principal atração para os kitesurfistas é o reef break (formação de ondas sobre fundo de pedra e coral), que pode produzir ondas bem alinhadas em determinados períodos.
Paracuru
Um pouco mais distante, Paracuru é frequentemente citado por atletas experientes como um dos melhores picos de onda do Brasil para o kitesurf. No auge da temporada, não é raro encontrar profissionais usando a praia como base de treino.
Para quem está planejando uma viagem mais longa, uma sugestão comum entre os riders é usar Cumbuco como base e, à medida que a confiança aumenta, encaixar sessões em Taíba e Paracuru, seja de carro, seja participando de downwinds organizados.
Icaraizinho de Amontada: o equilíbrio entre vento forte e vibe tranquila
Icaraizinho – como é carinhosamente conhecido – fica a cerca de 200 km de Fortaleza. Menos massificado que Cumbuco e Jericoacoara, o vilarejo consegue manter um clima de refúgio, sem abrir mão de bons ventos e infraestrutura voltada ao esporte.
O que torna Icaraizinho especial?
Uma particularidade de Icaraizinho é a transição rápida entre condições: em poucos minutos de navegação, o praticante pode sair de uma área de água mais lisa, protegida por recifes, e alcançar trechos com mais ondulação. Isso abre espaço para treinos variados em uma mesma sessão.
Instrutores locais costumam dizer que Icaraizinho é perfeito para o kitesurfista “intermediário-plus”: quem já anda de ceifador em Cumbuco e quer testar manobras com mais vento e espaço encontra ali um campo de testes natural.
Jericoacoara e Preá: entre cartão-postal e alta performance
Quando o assunto é turismo, Jericoacoara dispensa apresentações. As dunas, a famosa Pedra Furada e o pôr do sol na duna principal transformaram a vila em um dos destinos mais fotografados do Brasil. Mas, para o kitesurf, o protagonismo, curiosamente, é do vizinho Preá, a poucos quilômetros de distância.
Preá: vento forte e mar aberto
Preá é considerado, por muitos atletas, um dos lugares mais ventosos do litoral cearense na alta temporada. Direitos autorais do vento forte aqui não são figura de linguagem: há relatos constantes de kites menores – 6 m e 7 m – sendo usados por atletas com peso médio de 75 kg durante semanas seguidas.
Essa combinação fez de Preá palco de etapas de circuitos profissionais nos últimos anos, atraindo nomes importantes do cenário mundial. Em entrevistas, muitos destacam a regularidade como o grande diferencial: “Aqui você monta o equipamento já sabendo que vai velejar forte. É ótimo para testar limites”, comentou um kitesurfista europeu em uma passagem recente pela região.
Jericoacoara: freeride, turismo e kite nos arredores
A própria praia de Jeri não é o spot principal de kite, em parte por causa da circulação de banhistas e do desenho da baía. Mas a vila funciona como base estratégica para explorar áreas próximas, seja em downwinds, seja em deslocamentos 4×4 até trechos mais adequados.
Para muitos viajantes, essa combinação – velejar forte em Preá, jantar em Jericoacoara, dormir em uma pousada pé na areia – é o resumo da “viagem dos sonhos” de kitesurf no Ceará.
Ilha do Guajiru: o paraíso do vento lateral e da água flat
Subindo ainda mais a costa em direção ao oeste, a cerca de 220 km de Fortaleza, está um dos segredos menos secretos do kitesurf mundial: a Ilha do Guajiru. Trata-se, na verdade, de uma restinga que forma uma enorme lagoa interna, separada do mar aberto por uma faixa de areia e vegetação.
Por que tantos riders avançados escolhem a Ilha do Guajiru?
É comum ver, na beira da lagoa, aquela cena que virou marca registrada dos camps de kite: carros 4×4 estacionados, equipamentos secando ao sol, grupos de atletas analisando vídeos de manobras no celular e discutindo detalhes de técnica. A repetição de condições semelhantes dia após dia ajuda na progressão: o rider tira uma referência de salto em determinado ponto da lagoa e, no dia seguinte, encontra quase a mesma força e direção de vento.
Apesar do foco em atletas mais experientes, a Ilha do Guajiru também recebe iniciantes, mas é importante procurar escolas com suporte de resgate na água e instrução clara sobre maré e profundidade da lagoa.
Downwinds clássicos: o Ceará visto de dentro d’água
Uma das marcas do kitesurf no Ceará é a cultura do downwind: velejar a favor do vento, percorrendo longas distâncias de uma praia a outra, muitas vezes acompanhando carros de apoio na areia ou buggies nos trechos de duna.
Alguns trechos clássicos (sempre com suporte local):
Em todos os casos, a recomendação é a mesma: nunca encarar sozinho. Guias locais conhecem correntes, bancos de areia, áreas de risco e pontos de saída em caso de emergência. Muitos organizam roteiros de vários dias, em que o atleta segue velejando pela costa enquanto a bagagem vai de carro até a próxima pousada.
Escolhendo o spot de acordo com o seu nível
Com tanta oferta de picos, a pergunta natural é: por onde começar? Uma forma simples de organizar o roteiro é casar o nível técnico com o tipo de condição oferecida por cada região.
Iniciantes
Intermediários
Avançados
Dicas práticas: logística, equipamentos e segurança
Para transformar o plano em realidade, alguns pontos práticos fazem diferença na experiência.
Chegada e deslocamento
O que levar de equipamento
Segurança
No fim das contas, o kitesurf no Ceará é uma combinação rara de geografia favorável, cultura esportiva em crescimento e hospitalidade típica do Nordeste. Seja em um primeiro contato com a pipa em Cumbuco, em um bottom turn em Paracuru ou em um salto alto na Lagoa da Ilha do Guajiru, o estado oferece um cenário em que vento forte, mar e adrenalina deixam de ser promessa de folder turístico e viram rotina de quem escolhe velejar por ali.