Balada trancoso: festas, praias e o encontro entre celebridades do esporte e do entretenimento

Balada trancoso: festas, praias e o encontro entre celebridades do esporte e do entretenimento

Durante boa parte do ano, Trancoso é sinônimo de vila histórica, ruas de terra, igreja ao fundo do Quadrado e mar calmo no litoral sul da Bahia. Mas, entre o Natal e o Carnaval, o cenário muda de figura: o vilarejo de pouco mais de 11 mil habitantes, distrito de Porto Seguro, vira palco de uma das temporadas de festas mais cobiçadas do Brasil. É nesse período que a “balada Trancoso” se transforma em ponto de encontro entre estrelas do esporte, celebridades do entretenimento e um público disposto a virar a noite… e o dia, na areia.

O fenômeno não é recente. Desde o fim dos anos 2000, Trancoso passou a entrar com força no calendário do chamado “circuito de réveillon de luxo” do país, ao lado de destinos como Jurerê Internacional (SC) e Fernando de Noronha (PE). Mas foi a partir da década de 2010, com a expansão de beach clubs, festas fechadas e a exposição constante nas redes sociais, que o vilarejo virou quase um “resort a céu aberto” para atletas em férias.

Do vilarejo de pescadores ao hotspot dos craques

Até os anos 1990, Trancoso era basicamente uma antiga aldeia jesuíta com forte presença da comunidade local e alguns poucos viajantes em busca de sossego. O salto começa no início dos anos 2000, quando pousadas mais sofisticadas, casas de alto padrão e restaurantes estrelados começam a ocupar o entorno do Quadrado.

A chegada dos primeiros jogadores de futebol de elite coincide com essa mudança de perfil. Atraídos pela combinação de privacidade relativa, praias preservadas e estrutura cada vez mais luxuosa, atletas passam a incluir Trancoso no roteiro de férias de fim de temporada europeia. Em off, empresários e assessores costumam repetir a mesma fórmula: “sol, mar, festa, mas com um certo isolamento em relação às grandes capitais”.

Com o tempo, o boca a boca dentro dos vestiários fez o resto. De goleiros a atacantes, passando por surfistas, jogadores de vôlei de praia e até pilotos de automobilismo, o destino ganhou fama de “refúgio animado”, onde é possível treinar ao ar livre pela manhã e emendar uma festa à noite sem a mesma pressão de exposição de outros polos turísticos.

Réveillon em Trancoso: o “campeonato” das festas

Se existe uma “temporada oficial” da balada em Trancoso, ela começa, na prática, poucos dias antes do Natal e atinge o auge entre 27 de dezembro e 2 de janeiro. Nesses sete dias, os principais grupos de entretenimento montam uma espécie de “tabela de jogos”: festas diárias, cada uma com um tema, lineup e público-alvo específicos.

Em média, um pacote completo de festas de Réveillon em Trancoso pode custar, na alta temporada dos últimos anos, entre R$ 5 mil e R$ 10 mil por pessoa, dependendo de áreas VIP, open bar e serviços extras. É justamente nesse segmento que se concentram boa parte das presenças esportivas de peso, acostumadas a turnês intensas de competições e que veem no “combo” de eventos uma forma de concentrar diversão em poucos dias.

Não é raro, por exemplo, ver um atacante de seleção dividindo a pista com atrizes globais, influenciadores e DJs internacionais convidados. Bastidores de camarotes costumam relatar rodinhas improváveis: um zagueiro conversando sobre dieta com um campeão de surfe, enquanto um ex-tenista comenta a última final de Grand Slam com um apresentador de TV.

Mais do que a virada de ano em si, Trancoso consolidou um “estilo de fim de temporada”: atletas chegam logo após o término dos campeonatos europeus ou nacionais, fazem uma curta estadia — em média de 5 a 7 dias —, e aproveitam o máximo de praia e festas antes de iniciar a pré-temporada em janeiro.

Praias, treinos ao ar livre e o dia seguinte à balada

Se de madrugada as pistas ficam cheias, nas manhãs seguintes as praias viram uma espécie de “treinão informal” dos convidados mais disciplinados. Trancoso oferece uma sequência de faixas de areia ideais para corrida, caminhadas e treinos funcionais.

Entre as mais procuradas, destacam-se:

  • Praia dos Coqueiros: mais próxima do Quadrado, costuma ser o ponto de partida para corridas leves na areia batida e sessões de stand up paddle.

  • Praia dos Nativos: cenário clássico das barracas mais conhecidas, com espaço para bate-bola na areia e futevôlei improvisado.

  • Praia de Itapororoca: mais reservada, atrai quem busca privacidade para treinos, alongamentos e natação em mar mais calmo (dependendo da maré).

É comum ver jogadores e ex-jogadores montando mini-circuitos de treinamento, com elásticos, cones e bolas medicinais. Alguns até contratam personal trainers para acompanhá-los durante a estadia, garantindo que a balada não comprometa totalmente a forma física. Um preparador físico que já trabalhou com atletas em Trancoso costuma resumir a rotina com humor: “De manhã é treino, de tarde é soneca, de noite é festa. A planilha é tão importante quanto o convite da balada”.

Para o turista comum, observar essa rotina pode ser um bônus: de repente, a corrida matinal na areia vira um “pelotão” informal puxado por um campeão mundial, ou o futevôlei da tarde ganha ares de amistoso profissional com saques potentes e defesas espetaculares.

Quadrado, bastidores e o lado discreto das estrelas

Fora das festas e das praias, o coração de Trancoso continua sendo o Quadrado, patrimônio histórico tombado, com a igreja de São João Batista ao fundo. À noite, ele se transforma em um grande ponto de encontro, com mesas ao ar livre, luzes baixas e restaurantes disputados.

É ali que muitos atletas preferem circular de forma mais discreta: jantares em grupo, conversas prolongadas e um ou outro fã pedindo foto, na maior parte das vezes respeitosamente. Ao contrário de outros destinos em que a abordagem é mais invasiva, um traço recorrente apontado por frequentadores é a tentativa de preservar um mínimo de normalidade, mesmo com nomes famosos sentados à mesa ao lado.

Algumas histórias de bastidores circulam entre garçons, donos de pousadas e guias de turismo. Há casos de atletas que pedem para usar entradas alternativas para evitar aglomerações, outros que deixam avisado para não interromper o jantar, e até quem faça questão de sentar no meio do movimento, sem seguranças visíveis, conversando com a vizinhança. Essa mistura de glamour com simplicidade ainda é parte do charme local.

Balada, imagem pública e gerenciamento de carreira

No universo esportivo moderno, qualquer aparição em festa vira, em potencial, um conteúdo de rede social. Stories, vídeos curtos, posts de fãs: tudo pode se transformar em manchete. Em Trancoso, essa realidade não é diferente, e muitos atletas chegam ao vilarejo com uma estratégia clara de exposição.

Alguns optam por compartilhar abertamente a rotina de férias, com treinos, passeios de barco, jantares e festas, reforçando a imagem de “profissional que se cuida, mas também se diverte”. Outros seguem o caminho oposto: pouco ou nenhum registro público, perfis quase silenciosos, fotos em grupo publicadas só depois da viagem.

Para quem trabalha com assessoria de imagem, Trancoso é quase um laboratório de offseason: como aparecer sem exageros? Até que ponto fotos em festas podem influenciar a percepção de torcida, dirigentes e patrocinadores? Em anos de resultados ruins, qualquer vídeo de balada tende a ser interpretado com mais severidade; em anos vitoriosos, o mesmo registro vira celebração merecida.

Esse equilíbrio entre vida pessoal e responsabilidade profissional é tema constante nas conversas de bastidores. Um ex-jogador que frequentou o Réveillon em mais de uma temporada gosta de lembrar: “A diferença não é sair ou não sair. É saber até onde ir, com quem e em que momento da carreira você está”.

Turismo esportivo: como viver Trancoso além da balada

Para o leitor de Memórias do Esporte que pensa em transformar a curiosidade em viagem, Trancoso oferece um cardápio que vai além da vida noturna. É possível montar um roteiro que combine praias, atividades físicas, história e, claro, uma ou outra festa, se esse for o objetivo.

Algumas sugestões práticas:

  • Melhor época para quem busca esporte + sossego: entre março e junho, e de agosto a início de novembro, quando o fluxo de turistas é menor, os preços mais baixos e as praias mais tranquilas para correr, pedalar (em trechos adequados) ou remar.

  • Melhor época para quem quer balada intensa: a “temporada cheia” vai de cerca de 26/12 a 02/01, com algumas extensões até a primeira semana de janeiro. Nesse período, prepare-se para disputas por reservas, trânsito mais carregado e valores elevados em hospedagem e festas.

  • Atividades indicadas:

    • corrida na areia, de preferência em horários de sol mais baixo (até 9h ou depois das 16h);

    • stand up paddle e caiaque, em trechos de mar mais calmo;

    • aulas de surfe em praias da região, dependendo das condições do mar;

    • futevôlei e futebol na areia, sempre respeitando as áreas delimitadas e os horários de menor movimento.

  • Acesso: o aeroporto mais próximo é o de Porto Seguro. De lá até Trancoso, a viagem leva em torno de 1h30, de carro ou transfer, combinando balsa sobre o rio Buranhém e trajeto por estrada.

  • Custos aproximados: na alta temporada, diárias em pousadas bem localizadas podem variar de R$ 800 a mais de R$ 3 mil, enquanto na baixa temporada é possível encontrar valores significativamente menores. A alimentação acompanha a diversidade: de restaurantes de alta gastronomia no Quadrado a barracas de praia com pratos para compartilhar entre grupos.

Para quem gosta de história, vale caminhar com calma pelo Quadrado, visitar a igreja, observar o casario colorido e, quando possível, conversar com moradores antigos, que acompanharam a transformação de Trancoso nos últimos 30, 40 anos. Muitos têm relatos sobre “épocas sem holofotes”, quando o futebol mais disputado era o dos meninos da vila, e não o dos craques nas areias.

Curiosidades de bastidores: quando o gramado é a areia

Numa vila em que boa parte das interações acontece na praia, não surpreende que muitas histórias de atletas em Trancoso tenham a areia como palco principal.

É ali que rolam partidas de futevôlei de altíssimo nível, com profissionais e ex-profissionais misturados a amigos e convidados. Em algumas temporadas, formam-se “times fixos” que repetem confrontos ao longo de vários dias, quase como uma mini-liga de verão paralela, com direito a torcida de curiosos, provocações amistosas e vídeos amadores circulando em grupos.

Outro ritual recorrente é o chamado “treino coletivo do dia seguinte”: depois de uma noite longa, alguns atletas combinam encontros na praia para recuperar o corpo. Corridas leves, mergulhos no mar, alongamentos na sombra dos coqueiros. Ao mesmo tempo, é um momento em que surgem conversas sobre transferências, renovações de contrato e decisões de carreira — assuntos que, muitas vezes, só vão ganhar as páginas dos jornais semanas depois.

Há também episódios mais silenciosos: promessas da base que são levadas por jogadores mais experientes, como espécie de “imersão” na rotina de férias de um profissional; encontros fortuitos entre atletas de modalidades distintas, trocando experiências sobre lesões, preparação física e pressão mental; ou ainda dirigentes que aparecem discretamente, aproveitando o clima descontraído para conversas informais com seus principais nomes.

Entre o hedonismo e o planejamento da próxima temporada

À primeira vista, pode parecer que a “balada Trancoso” é apenas um intervalo hedonista entre dois blocos de competição. Mas, olhando com mais atenção, a vila baiana também se transformou, de certa forma, em um ponto de transição entre temporadas. É ali, longe dos gramados, quadras e pistas, que muitos atletas fazem balanços pessoais, ponderam mudanças, decidem seguir ou não em determinado clube, escolhem novos desafios.

Cercados de amigos, familiares e outros profissionais do esporte, eles encontram um ambiente em que é possível relaxar e, ao mesmo tempo, pensar no que vem depois. O som da festa pode até ser alto, mas, em algum momento da manhã seguinte, entre uma corrida leve e um café da manhã na pousada, surgem as perguntas inevitáveis: onde jogar na próxima temporada, como chegar mais forte fisicamente, o que ajustar na rotina fora de campo.

Para o torcedor, Trancoso aparece, muitas vezes, apenas como cenário de fotos em redes sociais. Para quem vive o esporte por dentro, o vilarejo é também um daqueles raros lugares em que o universo competitivo dá uma pequena trégua, permitindo que as grandes estrelas se misturem ao público comum, em um mesmo pôr do sol, na mesma faixa de areia.

No fim, a balada de Trancoso é mais do que a soma de festas, praias e celebridades. É um retrato de como o esporte moderno se relaciona com lazer, imagem, negócios e descanso. Um lembrete de que, por trás de números, troféus e estatísticas, há rotinas, escolhas e momentos de descontração que, embora distantes das câmeras dos grandes jogos, também fazem parte da memória do esporte.